domingo, 1 de março de 2009

A Lenda do Touro Branco

A CHEGADA

Os ventos de furacão sopravam com uma fúria doutro mundo, como se quisesse arrebatar tudo que jaz sobre a terra. As nuvens rodopiavam no céu relampejante com espirais negras como as correntes dos condenados do Tártaro. A chuva. Copiosa, gelada, incessante. Uma tempestade torrencial como nunca se viu e como nunca se verá jamais.
As ondas do mar se erguiam como muralhas geladas coroadas por cristas espumantes. O oceano parecia um grande manto negro salpicado de espumas e sal, sacudido por mãos vis de criaturas sem coração. Os relâmpagos eclodiam e faiscavam por todos os lados, como se o as falanges do céus estivessem em guerra contra o mar. O som era ensurdecedor.
Um bravo navio surgiu por entre as ondas, perdido no mar por muito e muito tempo. Sua beleza de outrora já se esvaía. As velas estavam rasgadas, as cordas chicoteavam a esmo ao sabor do vento e do balançar da embarcação, a madeira branca na qual havia sido construído estava marcada pela viagem que ameaçava-o partir em pedaços. Na proa do navio uma maravilhosa carranca, a cabeça de um bisão cujos chifres poderosos se curvavam imponentes e orgulhosos. O convés estava deserto, lavado por ondas colossais.
A morte já havia assumido por completo o controle da situação.
Em terra, as águas do mar já haviam avançado quilômetros além da orla da enseada. Como se já não estivessem cansadas de se curvarem pela fúria dos ventos, agora enfrentavam a força das ondas. O solo já lamacento não representava mais proteção, suas raízes vacilavam. Como se já não bastasse o que já acontecia, o horizonte tempestuoso se ergueu de supetão. Subiu. Como se uma enorme muralha tivesse sido construída em segundos, uma muralha de água fria. Uma grande onda.
A maré negra avançou com fúria divina sobre as terras baixas da outrora bela enseada.As árvores foram arrancadas, rochedos arrebentados , colinas movidas, a silhueta da enseada jamais seria a mesma. A floresta se transformara em uma massa disforme de galhos, troncos e folhas ao sabor da maré negra que abria sulcos nos rochedos ora eternos. Cercado por tudo isso estava o grande navio branco. Ou o que restara dele.
O casco havia se partido em dois dando ao navio sepultado no que viria mais tarde a ser terra firme novamente o aspecto de um braço flexionado. Os mastros se erguiam como uma crista branca, cujos espinhos apontavam para direções diferentes. A proa estava erguida sobre o solo, apoiada em um bloco de pedra cinzenta que era golpeada por ondas furiosas que a detestavam. A cabeça do bisão ainda governava, orgulhosa, seus olhos irradiavam um brilho intenso, esmagador. Os destroços estavam por todos os lados.
Tarde se tornou noite. A noite em madrugada. E a madrugada em alvorada.
Na alvorada que então aconteceu.
Na manhã seguinte é que os estragos se tornaram realmente visíveis. As águas estavam calmas e o sol reinava em um céu azul e brilhante, como se tentasse em vão compensar a noite que o precedera. O navio ainda estava lá, agora brilhante, mesmo arruinado, com sua madeira branca. Então eles chegaram.
Eles envergavam vestimentas de guerreiros, mas diferente das outras terras, o torso era coberto por placas de bronze, assim como os antebraços e pederneiras, coxas nuas sob uma toga vermelha com tiras também de bronze. Eles eram absurdamente robustos, ombros largos, braços poderosos, peludos. De estatura e constituição muito elevadas. Mas o que chamava mesmo atenção eram suas cabeças. Taurinas. Grandes chifres, presas grandes, olhos pequenos e pelagem que ia desde o marrom claro até o negro. Minotauros das ilhas de Kothas e Mithas.
Avançaram temerosos, não pelo medo do desconhecido, pois medo é um sentimento completamente desconhecido pelos minotauros, mas sim o receio de algo quase teológico para o seu povo. Quando ainda rondavam o navio arruinado, com seus cascos naquela região alagada, surgiu um outro minotauro, ainda maior e mais robusto do que os primeiros e pela sua armadura, mostrava ser alguém de patente muito superior. Não estava só, uma legião de minotauros furiosos o seguia.
Seus chifres eram amarelados, nodosos, trazia as medalhas de batalhas anteriores. Vitórias. Seu olhar era furioso, bufava, amedrontava. Presas enormes saltavam de sua boca prontas para rasgar a carne de seus inimigos e um cordão em seu pescoço trazia os chifres dos grandes guerreiros que haviam sido derrotados por ele. Era um general. Era o Governador.
Ele abriu caminho por entre os soldados e com dois de seus melhores homens entrou no navio arruinado. Estava vazio, havia sinais de sangue, mas os corpos desapareceram. Continuaram a seguir com dificuldade pelo interior do navio e se impressionaram com a força de sua estrutura e de sua madeira branca. Seus cascos bipartidos faziam muito barulho naquele assoalho, andar furtivamente seria impossível ali. Ao adentrarem uma grande e escura sala, um dos minotauros tropeçou em uma corda. Ela estava esticada à largura da sala. Os olhos do Governador faiscaram e então ele deu um passo para trás. Cordas correram por roldanas ocultas e uma rede grossa surgiu da escuridão. Logo os dois minotauros estavam presos.
O Governador frisou os olhos quando sobreveio um ataque. Seu machado rodopiou um segundo e aparou o golpe que recebera vindo da escuridão. Agora sob um faixo de luz, seu atacante e autor da armadilha estava visível. Era um menino minotauro. Mas diferente deles, ele era branco.
O rapazotezinho atacava com valentia e fúria, mas obviamente não era páreo para as habilidades de combate do Governador. Ele bufava e estufava o peito além de estar decidido a não deixar ninguém passar, nem mesmo o Governador. O combate durou longos minutos, o Governador analisava o estranho menino touro, impressionado pela fúria, postura e habilidade. Gostou dele de imediato.
O Governador levou o combate até que o menino touro se cansasse. Ele não cansou. O que ele protegia com todo afinco? Com tanta perseverança, com tanta bravura. Mais tarde ele descobriu, eram os corpos de seus iguais. Familiares e amigos.
Minotauros brancos, como diziam as antigas lendas de Kothas e Mithas.

ÁRIES
O sol estava alto no céu, no ápice do meio-dia e uma forte brisa litorânea soprava por sobre as típicas casas minotáuricas. Os grandes navios ao sabor do ir e vir das marés, estalando nos grandes deques de madeira e pedra. A grande cidade-estado se erguia em um braço de mar em uma ilha a leste de Kothas e Mithas, não era muito grande e quase havia desaparecido em uma tempestade há dez anos atrás. Ela era quadrangular e com gigantescas muralhas, sempre em expansão e em reformas com seus andaimes, cordas e animais de tração a puxar grandes blocos de pedra. Os escravos tinham muito trabalho, assim como os artesãos que na hierarquia vinha logo acima dos escravos. Não tinham o valor que mereciam. E era apenas mais um dos motivos para o declínio vertiginoso da cultura minotáurica. Mas ninguém conseguia enxergar isso, somente ele, o Minotauro Branco.
Artórius Tourobranco, filho adotivo do governador Aldargh, estava de pé sob o sol escaldante. Era mais alto do que seus irmãos-não-brancos, embora ainda fosse jovem, era forte e musculoso, mas ainda ostentava o semblante jovial. Seus chifres eram grossos e afiados, seus olhos eram orgulhosos, firmes, seus pelos alvos desciam ondulados pelo seu torso, pelo peito em direção à sua púbis. Os braços e torso humanos eram vigorosos, davinescos, embora musculosos, alvos e lisos como o mais puro mármore de um templo kothiano. Envergava um cinturão de couro grosso, com arrebites de bronze, uma toga azul sob tiras de couro e placas de bronze, assim como suas sandálias. Seus braceletes reluziam bronzeado ao sol, tinham cada uma uma cabeça forjada, dos cornos de um carneiro, Áries.
Os Braceletes de Áries estavam no navio no qual Artórius fora encontrado e pelo que tudo indicava sempre pertenceu a ele segundo o menino touro, e ser mentiroso era um defeito que ele não possuía. Eram mágicos sem dúvidas assim como seu grande machado que ali reluzia em suas mãos brancas sob um sol de ouro.
Artórius estava firme, olhar compenetrado. A multidão ao seu redor, nas arquibancadas da arena estava em silêncio, apenas o som das ondas e dos pássaros se podia ouvir. No balcão principal, estava o Governador Aldargh e sua esposa, pai e mãe adotivos de Artórius, estava com eles também uma comitiva do Alto-Templo do "The Great Horned One", o Grande Lorde de Chifres, o Sargas, o deus dos minotauros. Vieram especialmente para a ocasião. Era o décimo e sétimo aniversário de Artórius Tourobranco, idade em que ele atingiria a maioridade. Cuja presença na sociedade minotáurica se tornara muito mais um estorvo do que adradável para seus irmãos-não-brancos. Já não mais viam a Lenda do Touro Branco com bons olhos, mas sim como uma mácula para toda a sociedade. Chegara o momento de encerrar esse assunto de uma maneira ou de outra.
A comitiva do Alto-Templo havia sido enviada após um conclave ocorrido na capital kothiana a sete dias atrás. Sabiam que Artórius era um minotauro ariano, um povo que arremetia à aurora da criação dos minotauros na passagem do fogo pelos céus de Krynn eras passadas. O povo de Áries, segundo os registros e lendas, vêem de uma terra antiga e perdida chamada Minoscia, uma terra governada pelo rei Minos e que segundo dizem Sargas é desconhecido. Um lugar paradisíaco e maravilhoso onde a sociedade minotáurica florescia, antiga, terra de Força, Honra e Virilidade. Pura utopia diziam.
Ele ainda não sabia, mas o conclave havia estudado antigos registros, feito viagens longas e analisado a carcaça do navio que ainda permanecia do mesmo jeito mesmo dez anos depois e seus três mastros ainda continuavam na mesma posição. Como chifres apontados para o céu. Alarmados com o que descobriram interpretando a antiga profecia, o conclave decidiu tomar atitudes extremas contra Artórius Tourobranco e tudo que mencionasse o povo de Áries.
O povo de Áries precisava ser destruído.
Salve Sargas. Salve!
Quando o Bisão dos Mares de uma Grande Onda em Terra Mergulhar
Seus Três chifres em riste no Décimo Sétimo Aniversário permanecerâo.
Eles Indicarão nos Céus uma Verdade que não mais se Poderá Negar.
O Chifre de Áries, seu Irmão de Céus e Mar e seu Pai Forjado em Prata o Equilátero, para Sempre Reinarão.
Graças a presença do grande navio e do próprio Artórius, parte da profecia havia sido desvelada. Os chifres do bisão dos mares, os mastros do navio, no verão, apontam para as constelações de Habbacuc, Kiri-Jolith e onde ficava a do destituído Paladine. Artórius fazia dezessete anos quando interpretaram a profecia que também frisava bem o Chifre de Áries, o chifre de Kiri-Jolith, filho do Forjado em Prata o Escaleno, filho do Triângulo de Prata, Paladine, irá reinar. Profetizando a queda de Sargas. Pura Heresia para os minotauros.
E a situação agora chegava ao ápice da tensão.
Mas uma pergunta era feita por todos do conclave, seria Artórius o último ariano?
E por quê a Trindade desejava depor Sargas de seu posto como Senhor dos Minotauros?
Isso talvez indicasse que os humanos tinham razão?
Que Sargas e Sargonnas eram o mesmo deus?
Não. Isso não era possível. Para os minotauros, não era mesmo.

4 comentários:

  1. Grande neh?
    Mas parabéns Guto! Muito, muito bom!
    =P

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  2. hIAOHoihaioHAIOHoahioHA
    Minotauro exageraaaado toda vida!!!
    E olha que nem escrevi tudo ainda :p
    Mas pro começo tá bom né?
    hahaha

    Imaginei que só o mestre leria, ficou meio grande, minha mania de me achar um J. R. R. Tolkien, um R. A. Salvatore ou um Weiss e Hickman!!!

    Mas enfim!!!

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  3. Caralho! Não leio nada tão bem escrito há alguns séculos! T__T
    Caraleo, vou esperar o resto da história muleque! Agora fiquei curioso!!!! iuhaiuahaiuahai

    Fã número um! \o/

    Abs!

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